VI DOMINGO TEMPO COMUM – ANO C
17 de Fevereiro de 2019
AS LEITURAS DO DIA
Jer 17, 5-8: Maldito quem confia no homem.
Salmo 1: Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor.
1Cor 15, 12. 16-20: Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé.
Evangelho Lc 6, 17.20-26: Bem-aventurados os pobres. Ai de vós, os ricos.
A PALAVRA É MEDITADA
A página das bem-aventuranças é talvez uma das páginas mais conhecidas, mesmo pelos não cristãos. Esta página continua a ser sempre desconcertante e enigmática e representa a porta de entrada no Reino. Se com uma operação cirúrgica se extraíssem do Evangelho as bem-aventuranças, matar-se-ia o Evangelho: como se de um organismo se extraíssem o coração ou os pulmões.
A pobreza é a discriminante de pertença ou não pertença a Cristo. A pobreza abre ao amor; a riqueza fecha. As bem-aventuranças certamente não são uma bela música para os nossos ouvidos; não são sequer um código de preceitos; talvez uma comparação mais apropriada com os sistemas humanos é a Carta Constitucional. A Carta Constitucional do Reino de Deus: pobreza e amor.
E são também uma proposta: se queres entrar no Reino, eis a condição. Quem são os pobres?...e em particular os pobres no nosso contexto português? Hoje é raro encontrar uma família sem carro, sem televisão e máquina de lavar.
Quando o Senhor Jesus falava, os pobres eram bastante mais pobres... Mas também naquele tempo, nem todos os pobres eram pobres... hoje a sociedade tem um aspeto com implicações estranhas; bastante frequentemente o inquilino é mais rico que o senhorio. Desperdícios em todas as classes. O bem-estar em vez de apagar os apetites exasperou-os. As pessoas estão sempre mais insatisfeitas e cheias de complexos: cresce o sentido de angústia em relação à vida. É todo um monte de ressentimentos na política, no mundo do trabalho, nas relações sociais. Em tal contexto parece que não haja mais lugar para os pobres.
E no entanto, os pobres existem: os pobres reais, de condição: marginalizados, desocupados, alguns trabalhadores ocasionais, reformados: entre eles não faltam os pobres considerados bem-aventurados por Cristo.
Pobres de Cristo ou do Evangelho são aqueles que não adoram o dinheiro, que não calculam o valor de uma pessoa com nas riquezas, que estão contentes em ver os outros mais felizes, mesmo mais ricos, que sabem contentar-se, procurando melhorar a sua condição sem se cansarem, sem esgotarem a saúde ou a honra, sem mentir, que não se armam em espertos, que não se aproveitam das leis... que não fogem ao fisco... e a lista poderia continuar.
Para ser pobres, é indispensável um outro elemento: não colocar o sentido da vida na terra, saber olhar para além da terra, em conclusão, ter fé. Os pobres têm o sentido da transcendência, olham para o alto. A pobreza torna-se assim sinal de grandeza. A pobreza é fonte de serenidade, de paz consigo e com os outros. A pobreza é princípio de dignidade. O pobre do Evangelho não suja as mãos por quatro moedas, ou por quatro mil euros. Não lambe os pés a ninguém, caminha com a cabeça levantada porque tem os papéis em dia diante de todos e pode olhar para todos nos olhos.
Os cristãos têm a vocação da pobreza, qualquer que seja a sua conta no banco. Como? Simples: como posso eu realizar no meu caso a pobreza de Cristo? E depois grande coragem. Ir contra corrente. Nesta corrida desenfreada ao apartamento mais belo, ao cruzeiro mais luxuoso, ao carro mais caro, à casa na montanha ou na praia, mostrar estima pelos valores morais, as mãos limpas, as mãos estendidas para os irmãos, a relação com Deus.
A PALAVRA É REZADA
Onde me coloco Senhor? De que parte me meto?
Hoje tu obrigas-me, afinal de contas,
a vir a descoberto e a declarar se estou entre aqueles que se alegram
pelas tuas palavras, pelas tuas promessas,
ou se pertenço à multidão de quem
deve preocupar-se com os teus “ai de vós”.
Não me posso esconder atrás de um dedo,
Fazer-me a pergunta do costume: Quem são os pobres?
Sei-o bem quem são: todos aqueles que não têm nada a perder,
se este mundo muda verdadeiramente,
todos aqueles que não contam sobre si mesmos,
sobre aquilo que têm de parte,
sobre as suas posições ou as suas disponibilidades,
mas apostaram tudo sobre ti e sobre o projeto que vieste realizar.
E sei também quem são aqueles que têm fome,
fome verdadeira, lancinante, de alimento,
de roupas, de uma casa, de um trabalho,
fome de afeto, fome de dignidade,
fome de misericórdia e de consolação.
Aquilo que tu anuncias assusta-me porque o meu estilo de vida
muitas vezes anestesia o meu coração
e eu nem seque sinto mais vergonha pela comida que deito fora,
pela roupa que destino aos outros
simplesmente porque estão fora de moda,
pelas minhas despesas absurdas, pelos caprichos quotidianos,
por aquilo que roubo facilmente.
Ámen
(In Qumran, e La Chiesa: tradução livre de fr. José Augusto)