XXVII DOMINGO TEMPO COMUM – ANO A
4 outubro 2020
AS LEITURAS DO DIA
Is 5, 1-7: A vinha do Senhor do universo é a casa de Israel.
Salmo 79: A vinha do Senhor é a casa de Israel.
Filip 5, 6-9: Ponde isto em prática e o Deus da paz estará convosco.
Evangelho Mt 21, 33-43: Arrendará a vinha a outros vinhateiros.
A PALAVRA É MEDITADA
Na legenda do grande inquisidor, Dostoievski imagina que Jesus volte à terra e enquanto a gente simples o reconhece porque vê os sinais que realiza, o grande inquisidor manda-o encerrar na prisão por causa das desordens provocadas com a sua chegada. De noite, porém, vai visitá-lo: “És mesmo tu? – pergunta-lhe – porque é que voltaste e vieste incomodar-nos?”. A lógica do poder, do domínio sobre as consciências das pessoas que em troca do pão para viver venderam a sua liberdade, leva o inquisidor a rejeitar Jesus e a pronunciar a sentença final: “Amanhã irás para a fogueira”.
A narração de Dostoievski, inserida nos Irmãos Karamazov, ajuda-nos a ler a parábola dos vinhateiros homicidas como dirigida não só aos sacerdotes e aos anciãos do povo hebraico do tempo de Jesus. A Palavra ressoa também hoje nos nossos ouvidos com toda a sua força perturbadora, mas também com a sua vontade de produzir fruto na vida de cada um de nós.
1. A parábola é fácil de interpretar no contexto em que Jesus a pronuncia. Trata-se de uma alegoria que descreve e interpreta a história de Israel. Deus escolheu Israel, chamou-o, elegeu-o, e tomou-o ao seu cuidado para que fosse o primogénito entre todos os povos. Pôs a sua tenda no meio do povo, deu-lhe a lei, e confiou a sua vinha amada a responsáveis para que cuidassem dela. Depois partiu porque Ele respeita a liberdade que deu à sua criatura. Um belo dia volta a visitar a sua vinha para recolher os seus frutos; manda os profetas, mas estes são espancados e mortos. Manda outros servos, mas acontece a mesma coisa.
Então decide mandar o próprio filho quase a recordar que não é só questão de frutos, mas de reconhecer o seu direito sobre aquela vinha. Mas no máximo da maldade aqueles chefes do povo não só não entregam nenhum fruto, mas consideram-se donos da vinha e reconhecem naquele filho o único que poderia reivindicar direitos sobre aquilo que praticamente consideram sua propriedade. A persistência que mostram para com o filho fala por si e manda-nos de forma clara à morte de Jesus fora dos muros da cidade. Se esta é a história de Israel, a parábola abre ao futuro: aquela vinha será tirada e entregue a outro a outro povo que a fará frutificar. A referência àqueles que escutam Jesus e o seguem e, portanto, à igreja nascente é evidente. Jesus foi pedra de tropeço para aqueles vinhateiros homicidas e agora torna-se a pedra angular do novo edifício que é a comunidade dos discípulos do Senhor.
2. A primeira palavra que ressoa diante de nós lendo a parábola de Mateus é “o canto de amor de Deus pela sua vinha” que nos é proposto também na 1ª leitura (Is 5,1-7). Isaías celebra o amor de Deus por Israel, um amor feito de mil atenções e cuidados como o de uma mãe que nutre e acompanha o próprio filho na vida. Aqui encontramos as muitas atenções e os dons feitos para que daquela vinha pudessem sair frutos abundantes; há toda a paciência de quem não pretende logo os frutos; há também a desilusão porque aquela vinha no fim produz uva selvagem. Mas o juízo que é pronunciado sobre a vinha não tem os traços da condenação definitiva, mas de requisitos que espera na conversão e no regresso de Israel.
O mesmo amor reconhecemos entre as linhas da narração evangélica: o patrão não se cansa de mandar os seus servos, insiste, bate à porta e chega até ao dom do Filho. É uma história de amor e de liberdade. O seu pedido de poder recolher os frutos não é uma pretensão fora de lugar, mas é também um acto de amor porque nós não podemos viver sem estar unidos à videira e se esquecemos que somos criaturas abre-se no horizonte um mundo de violência e de ódio precisamente de quem perdeu todas as referências a qualquer coisa de maior.
3. Um outro aspeto que emerge na parábola é aquele sentir-se donos da vinha que leva a rejeitar o próprio filho. Uma coisa parecida encontramos também na narração de Dostoievski onde emerge a lógica perversa de um poder que não está mais ao serviço do povo, mas o tem na mão e o domina.
Se Isaías reprova Israel porque não produz fruto ou produz vinho azedo, no evangelho não é só questão de qualidade dos frutos, mas da nossa própria relação de criaturas diante do Criador. É uma questão de sempre: parece que Deus seja antagonista do homem, e que para salvaguardar a liberdade e a autonomia do homem é preciso eliminar Deus. Não é por acaso isto que viveram os filhos da parábola do Pai misericordioso?
A sensação de um pai opressivo de quem é preciso livrar-se: o mais novo escapando de casa, o mais velho procurando a liberdade com os amigos, mas sempre longe daquele pai. Não é por acaso isto que vive o grande inquisidor? A presença de Jesus parece meter em perigo o poder alcançado. Não ´r por acaso isto que vive o homem de hoje? Deus e a Igreja parecem um limite para a ciência, para os afetos, diante dos próprios ilimitados desejos. Não é por acaso isto que às vezes vive também o crente? Ser cristãos parece um limite à liberdade, sobretudo quando da proposta cristã se colhem só os nãos que pronuncia.
A esta visão que percebe como opressiva a presença do pai e como limitante o papel de simples vinhateiros, queremos opor a alegria de ser criaturas amadas pelo Criador, de poder trabalhar como humildes operários da vinha do Senhor…
A proposta cristã entrega-nos a dignidade de ser filhos, a graça de ser considerados amigos e não servos do Senhor, a consciência que o mundo e a história estão confiados à nossa liberdade e responsabilidade. A nós cristãos de hoje o Senhor entrega o Reino para que o façamos frutificar; é um dom grande, mas também uma responsabilidade. A nós toca não esquecer que somos criaturas, humildes trabalhadores da vinha que não é nossa, mas do Senhor.
A PALAVRA É REZADA
Ajoelho-me diante de ti, Senhor, para te adorar.
Dou-te graças, Deus de bondade;
suplico-te, Deus de santidade.
Diante de ti dobro os joelhos.
Tu amas os homens e eu te glorifico,
ó Cristo, Filho único
e Senhor de todas as cosias.
Tu que és o único sem pecado,
por mim pecador indigno,
te ofereceste à morte
e à morte de cruz.
Assim libertaste as almas
das insidias do mal.
O que é que te darei, ó Senhor,
por tanta bondade?
Glória a ti, ó amigo dos homens!
Glória a ti , ó Deus de misericórdia!
Glória a ti , ó paciente!
Glória a ti , que perdoas os pecados!
Glória a ti , que vieste
para salvar as nossas almas!
Ámen
(In Qumran, e La Chiesa: tradução livre de fr. José Augusto)