II DOMINGO TEMPO COMUM – ANO C
20 de Janeiro de 2019
AS LEITURAS DO DIA
Is 62, 1-5: A esposa é a alegria do marido.
Salmo 95: Anunciai a todos os povos, as maravilhas do Senhor.
1Cor 12, 4-11: Há diversidade de dons, mas o Espirito é o mesmo.
Evangelho Jo 2, 1-11: O primeiro milagre de Jesus.
A PALAVRA É MEDITADA
A liturgia deste domingo continua a desenvolver o mistério da manifestação do Senhor que celebrámos no dia da Epifania. A antiga liturgia cantava: "Hoje a Igreja une-se ao celeste Esposo: os seus pecados são lavados por Cristo no Jordão; os Magos acorrem às núpcias reais trazendo dons; a água é transformada em vinho em Caná e os convidados do banquete estão na alegria. Aleluia".
Na realidade, pode-se dizer que todos os domingos celebramos o mistério da epifania do Senhor. Ele manifesta-se a nós na santa liturgia: tem as marcas do ressuscitado, daquele que venceu o mal e a morte, que mudou a solidão em comunhão, a tristeza em alegria. Cada domingo é Páscoa, o momento mais alto da Epifania do Senhor. Por isso a santa liturgia assume o tom festivo e veste os trajes da solenidade: somos arrancados das nossas casas e dos nossos ritmos quotidianos para ser admitidos à presença de Deus, para escutar a Sua Palavra, para lhe dirigir a nossa oração, para saborear a doçura da sua mesa.
O evangelista põe no episódio das bodas de Caná, o termo da narração de uma semana de Jesus. Nos primeiros dias Jesus tinha estado com João Baptista no Jordão, no quarto tinha chamado os primeiros discípulos e tinha estado com eles, no sétimo dia conclui dirigindo-se a Caná para participar na festa de núpcias de dois seus amigos. A narração inicia com uma anotação temporal: "Naquele tempo realizou-se um casamento em Caná da Galileia". Não é por acaso que o evangelista põe o milagre de Caná no fecho da semana. Ele recorda a todos nós que a semana da criação terminou com o dia do repouso e da festa. Não só. Mais adiante escreverá que Jesus, três dias depois da sua morte, ressuscitou. O sinal de Caná, por isso, vai bem além do simples episódio daquele matrimónio. Une o repouso da criação e o início do tempo novo do Senhor ressuscitado. Caná é a festa da mudança, é o dia do renascimento, é o dia da alegria de estar com o Senhor. Caná é o domingo; é o dia da nossa festa, o dia em que somos reunidos e – como escreve o profeta Isaías – somos "uma magnífica coroa nas mãos do Senhor, um diadema real na palma do teu Deus. Mais ninguém te chamará “abandonada” nem à tua terra “devastada” mas tu serás chamada 'predileta' e à tua terra “desposada” porque o Senhor te desposará" (Isaías 62, 3-4).
Deveríamos redescobrir assim a agraça do domingo, o dia em que o Senhor nos tem pela mão como o esposo tem a mão da esposa no dia do matrimónio. Este texto evangélico é entre aqueles que se calhar conhecemos melhor. Todos recordamos a Mãe de Jesus que, única, se apercebe que acabou o vinho. Não está preocupada consigo nem com o dar nas vistas. Os seus olhos e o seu coração olham e preocupam-se em que todos sejam felizes, que aquela festa não fique estragada. Aproxima-se do Filho e diz-lhe: "Não têm vinho".
Maria sentia como sua aquela festa; sentia também como sua a alegria dos noivos. O verdadeiro sentido das palavras de Maria, por isso, podemos traduzi-lo assim: "Nós não temos mais vinho". Deveríamos dize-lo todos os dias por nós e por tantos que precisam de ajuda, de misericórdia, de perdão, de amizade, de solidariedade. Quando é que todos estes poderão ver o milagre de Caná? Há necessidade de “sinais” do Senhor, da sua presença. E em Caná Maria indica o caminho aos servos: "Fazei aquilo que vos disser". É o caminho simples da escuta do Evangelho; um caminho que todos podemos percorrer. Aquilo que conta é obedecer ao Evangelho: daqui iniciam os sinais do Senhor, os seus milagres no meio dos homens. Os servos, vão ao Senhor e ouvem uma ordem singular: "Enchei de água as talhas".
É uma ordem simples; tão simples que eles nem duvidam em fazê-lo: o que é que tem a ver tudo isto com a falta de vinho? Mas obedecem. E depois de terem enchido as seis talhas, ouvem dizer para levar ao chefe de mesa. Uma ordem que parece ainda um pouco estranha. E todavia, uma vez mais, obedecem. A festa está salva. Aliás acaba em crescendo, como reconhece o próprio chefe de mesa: "todos servem primeiro o vinho bom, e quando já estão alegres, o menos bom; tu guardaste o vinho bom até agora".
Assim Jesus deu início aos seus milagres em Caná da Galileia. Comparámos os nossos domingos a Caná, e poderíamos comparar as seis talhas de pedra, com os seis dias da semana. Como fizeram os servos enchamo-los coma força do Evangelho e também os nossos dias serão mais doces e mais belos. Caná pode ser verdadeiramente a festa do domingo, que através do dom do Evangelho, nos permite conservar o vinho bom do senhor para a última semana.
A PALAVRA É REZADA
Santa Maria, mulher do vinho novo,
quantas vezes experimentamos também nós
que o banquete da vida definha
e a felicidade se apaga
no rosto dos convidados!
E o vinho da festa que falta.
na mesa não nos falta nada:
mas sem o sumo da videira,
perdemos o gosto do pão que sabe de trigo.
Mastigamos os produtos da opulência:
mas com a avidez dos epulões e com a zanga de quem não tem fome.
As receitas da nossa cozinha perderam os antigos sabores,
mas também os frutos exóticos prativcamente já têm pouco a dizer-nos.
Tu sabes bem donde deriva esta inflacção de tédio.
As reservas de sentido estão esgotadas.
Não temos mais vinho.
Os odores ásperos do mosto, não nos deliciam a alma há tempos.
As velhas adegas já não fermentam mais.
E os pipos vazios dão só restos de vinagre.
Mexe-te, então, e tem compaixão de nós,
e dá-nos o gosto das coisas.
Só assim as talhas da nossa existência
se encherão até cima de significados últimos.
E o gosto de viver e de fazer viver
nos fará finalmente experimentar as vertigens.
Ámen
(In Qumran, e La Chiesa: tradução livre de fr. José Augusto)