III DOMINGO DA QUARESMA - ANO B
4 de Março de 2018
AS LEITURAS DO DIA
Ex 20, 1-17: A lei foi dada por Moisés.
Salmo 18: Senhor, Vós tendes palavras de vida eterna.
1 Cor 1, 22-25: Nós pregamos Cristo crucificado.
Evangelho: Jo 2, 13-25: Destruí este templo e em três dias o levantarei.
A PALAVRA É MEDITADA
«O que é um rito? – disse o pequeno príncipe. Também esta é uma coisa há muito esquecida – disse a raposa. Um rito é aquilo que faz um dia diverso dos outros dias, uma hora diversa das outras horas. Há um rito, por exemplo, junto dos meus caçadores. À quinta-feira dançam com as raparigas da aldeia. Então a quinta-feira é um dia maravilhoso! Eu desloco-me até à vinha. Se os caçadores dançassem num dia qualquer, os dias seriam todos parecidos uns com os outros, e nunca teria férias».
Parecem-me sugestivas estas palavras tiradas do «Pequeno Príncipe», célebre narração do francês Antoine de Saint-Exupérie: sugestivas porque nos ajudam a compreender melhor o rito que todos os domingos os cristãos realizam nas igrejas: e que neste tempo de Quaresma assume uma importância particular.
Precisamente o rito é a celebração dominical da Eucaristia. Mas o que é um rito? Um rito – dizia a raposa – «é aquilo que faz um dia diverso dos outros dias, uma hora diversa das outras horas». Porque é verdade, assemelham-se todos os nossos dias: assemelham-se de tal modo que às vezes nós estamos cansados deste nosso tempo sempre igual. Acontece, de facto, que a banalidade da vida quotidiana apague mesmo os sentimentos mais nobres, reduzindo no fima todo o desejo a coisa conhecida e dada por descontada. Precisamos então de ritos: precisamos de dias especiais que parem este tempo assim igual e nos façam reencontrar a frescura dos inícios.
Precisamente assim – especial – é o domingo para os cristãos: é o dia do Senhor, a Páscoa da semana. É o dia em que os crentes se reúnem para realizar um rito – o rito dominical da Eucaristia – e de tal modo esconjurar o inevitável lograr-se do tempo, dando raízes e consistência a todos os outros dias.
Certo, o rito é qualquer de mágico que nos garante os imprevistos do futuro: não é um amuleto que podemos adquirir e usar segundo as necessidades. Assim corria o risco de entender o rito aquela gente que Jesus encontrou no templo, segundo a narração do Evangelho deste domingo (Jo 2,13-45): compravam e vendiam, quase que bastasse aquele comércio para invocar o favor de Deus. Na realidade, aquela gente cumpria um rito novo, feito apenas exterioridade e de riqueza, um rito mecânico, que não tinha necessidade de Deus para funcionar, e se assemelhava terrivelmente aos tráficos de todos os outros dias: o templo tinha-se tornado «lugar de mercado», e já não era «a casa do Pai».
E no entanto somente com Deus funcionam os nossos ritos: somente graças ao seu Espirito os ritos podem esconjurar o inevitável lograr-se do tempo, dando raízes e consistência aos nossos dias. De facto, através do rito nós recordamos que é Deus da nossa vida, como diz o livro do Êxodo na primeira leitura de domingo (Ex 20,1-17): é ele que «nos libertou da condição de escravidão», daquelas escravidões que sempre estão à espreita; é sempre ele que nos «demostra o seu favor até à milésima geração», libertando-nos da tristeza do tempo que foge; e é ainda ele que orienta os nossos passos incertos, dando-nos aquela esperança que perdemos.
Precisamente com estes nosso Deus nós realizamos o rito dominical da Eucaristia. Deste modo o domingo tona-se par anos um dia de festa, um dia diverso dos outros dias. Mas não porque ao domingo aconteça qualquer coisa de extraordinário: não porque desapareçam os medos e os sofrimentos de sempre. O domingo torna-se para nós um dia de festa porque ao domingo nós aprendemos a reconhecer em todos os nossos dias os sinais da bênção de Deus: precisamente como fizeram os contemporâneos de Jesus que «vendo os sinais que fazia, acreditaram no seu nome» (Jo 2,23).
Esta bênção com certeza nunca nos abandonará: e – se o quisermos – esta bênção tornará diversas também aquelas horas sempre iguais que ainda nos esperam.
A PALAVRA É REZADA
Não, naquele dia, Jesus, tu apareceste extremamente decidido e violento.
Não pediste um pouco de respeito pelo Templo, lugar sagrado.
Não pediste com bons modos que se diminuísse o barulho dos negócios.
Não te dirigiste aos negociantes com ternura, convidando-os a ir embora.
Não, foste claro, determinado, sem meios-termos.
Porquê esta falta de compreensão,
porquê nem sequer uma migalha de paciência em ti
que habitualmente és tão manso e misericordioso?
Porquê não há indulgencia para a fragilidade do homem,
para a sua necessidade de arranjar o sustento
da parte da divindade através de um sistema de troca
feito de orações, de ofertas, de sacrifícios?
Porquê não aceitas nenhum compromisso
com aqueles que têm interesses a defender
a partir do momento que vivem dos seus tráficos
de vendedores de animais e de troca de moedas?
Uma coisa é certa:
o teu gesto tão duro quanto desconcertante,
foi gerado pelo teu amor único,
profundíssimo e tenaz pelo teu Pai:
tu não podes tolerar que deturpe o seu rosto,
que se pretenda vendê-lo ou comprá-lo.
Ámen.
(In Qumran, e La Chiesa: tradução livre de fr. José Augusto)